segunda-feira, 22 de setembro de 2008



Violinista da Meia Noite


Ele dedilhava as cordas uma a uma do seu violino, buscando saber se todas estavam afinadas ou se necessitavam de um leve ajuste. Seus olhos permaneciam fechados e um leve sorriso dominava seus lábios ressecados pelo frio intenso ao ouvir o doce som emitido pela vibração de cada corda. Ao terminar, abriu lentamente os olhos que tinham a mesma cor do seu violino feito em ébano. O contemplava como se fosse uma bela mulher, deitada a sua frente, esperando por ele com um doce e provocativo sorriso.
Pegou o arco feito de pau-brasil de dentro da caixa e sentou em um banquinho portátil que trazia em sua mochila. Olhava os transeuntes transitando na rua obscura, distraídas com as luzes das fachadas que ofuscavam uma lua cheia tímida, escondida entre as esparsas nuvens.
Escolhendo uma música mentalmente, se pôs na posição inicial, apoiando seu tão querido violino embaixo do queixo e colocando o arco sobre as cordas com delicadeza. Havia uma que não saía nunca de sua cabeça. Melancólica e triste que ele havia escolhido para o dia em que morresse, pois via na tristeza a beleza que não se acha na alegria.
Resolveu tocá-la. Fora uma composição sua para uma antiga paixão que perdera. Dera a essa música o nome de Réquiem das Paixões, em memória e homenagem a todos que já amaram e se lembravam de um amor antigo pelo qual havia sofrido. Ao menos era assim que ele pensava em apresentar sua música para uma platéia de milhares de espectadores caso viesse a ser famoso. Era um fato de que possuía muito talento, mas em contrapartida lhe faltava sorte. Por isso era apenas um sonhador e errante que tocava pelas ruas na esperança de ser ouvido um dia.
Com um leve balançar de cabeça, tirou os cabelos loiros e cacheados que caiam pelo rosto e movimentando seu braço com uma combinação lenta de seus dedos foi fazendo sua triste música surgir. As pessoas pareciam ignorá-lo, mas mesmo assim ele tocava com sua alma. Sentia algumas leves rajadas de vento frio atravessar-lhe o corpo, mas estava acostumado com essa sensação. Acontecia toda vez em que ele se colocava ali para tocar. E continuou tocando até que a música se esgotou e ele parou, voltando seus olhos para a lua.
Guardou então seu violino e pôs o banquinho na mochila, pegando a caixa do instrumento e se colocou a andar a esmo pelas ruas. Havia se acostumado com a solidão, uma vez que não se relacionava com quase ninguém e isso também nunca o incomodara.
Sem se dar conta, caminhou até a porta do velho cemitério que por motivos estranhos estava aberto. Ele então entrou e foi andando na escuridão como se já conhecesse o lugar há tempos. Parou diante de um túmulo e sentou sobre a sua lápide, retirando mais uma vez seu violino.
A lua se revelava, iluminando as escritas daquela pedra pálida semicoberta pelo musgo, onde se lia claramente "Aqui jaz John. Um jovem violinista que nunca será esquecido pelos nossos corações."
John deixou uma lágrima percorre-lhe o rosto e mais uma vez voltou a tocar seu tão amado Réquiem. Ele não estaria em paz enquanto não fosse famoso, ou ao menos sua paixão perdida escutasse sua música que levava com ela um coração dilacerado e uma alma sem rumo.

Nenhum comentário: